Há mais de duas décadas, a união entre a Embrapa Florestas, a Associação dos Produtores de Erva-Mate de Machadinho-RS (Apromate) e a Prefeitura local vem transformando a produção de erva-mate na região. A renovação do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) e a inclusão de um novo projeto, que se estenderá até 2029, ocorridas recentemente, marcam o início de um novo ciclo, impulsionado pela conquista da Indicação Geográfica "Erva-mate Região de Machadinho" - a primeira do Rio Grande do Sul.
O projeto de pesquisa e transferência de tecnologia da Embrapa Florestas, intitulado "Ações e pesquisas para sistemas agroflorestais e adequação ambiental no município de Machadinho - RS", visa aprimorar a produção da erva-mate Cambona 4, variedade tradicional da região. Seu desenvolvimento será feito por meio de sistemas agroflorestais (SAFs) que integram espécies nativas, como a araucária, garantindo maior sustentabilidade ambiental e econômica para os produtores locais. Entre as principais entregas previstas estão a avaliação de materiais genéticos de alta produtividade, a análise financeira dos SAFs e indicadores de impacto, capacitações técnicas e a restauração de áreas degradadas, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APPs).
"A Embrapa foi decisiva para consolidarmos 30 anos de avanços, desde o desenvolvimento da cultivar Cambona 4 até o Projeto Nascentes e o sistema agroflorestal da erva-mate Cambona 4. Sem essa parceria, não teríamos feito este reconhecimento que é nosso maior orgulho", afirma Ilvandro Barreto de Melo, assistente técnico da Emater/Ascar e extensionista da Emater e coordenador da Câmara Setorial da Erva-mate.
Histórico e inovações
A Apromate e a Prefeitura de Machadinho, juntamente com a Emater/RS, são parceiros essenciais para a Embrapa Florestas, fornecendo infraestrutura, mão de obra e apoio logístico desde o começo dos trabalhos. Esta parceria foi iniciada na década de 1990, com foco no melhoramento genético e na difusão de técnicas de cultivo. Ao longo dos anos, o projeto ganhou novos contornos, incorporando questões como justiça ambiental, restauração de nascentes (Projeto Nascentes), capacitações (Projeto Florestas na Propriedade Rural: estratégias de TT florestal) e controle de diretrizes e doenças.
Segundo o pesquisador Ingo Isernhagen, da Embrapa Florestas, a retomada do ACT em 2025 traz novidades significativas. “Além da continuidade dos trabalhos com a erva-mate, estamos incluindo a araucária enxertada para produção precoce de pinhão, o monitoramento de áreas restauradas há mais de 10 anos, a avaliação das espécies nativas utilizadas para sombreamento da erva-mate e novas ações de sanidade vegetal, essenciais diante das mudanças climáticas que afetam a região”.
Pesquisadores de áreas específicas de atuação da Embrapa Florestas atuarão em papéis específicos neste projeto. O pesquisador Ivar Wendling será responsável pela avaliação de materiais genéticos de erva-mate e araucária enxertada. O pesquisador e chefe geral da Unidade, Marcelo Francia Arco-Verde fará a análise financeira dos sistemas agroflorestais, verificando suas previsões econômicas. Os pesquisadores da área de entomologia Susete Penteado e Celso Auer farão o diagnóstico de diretrizes e doenças que abordaram a erva-mate, propondo soluções sustentáveis. Os pesquisadores Ingo Isernhagen e Antonio Carpanezzi e o analista e supervisor Emiliano Santarosa irão atuar no monitoramento de áreas restauradas e implantarão novas técnicas de recuperação ambiental. Santarosa também irá coordenar a pesquisa de manejo, indicadores de impacto e transferência de conhecimento, com capacitações para técnicos e produtores.
“Existe um grande histórico de trabalhos desenvolvidos com os parceiros institucionais na região, que envolveram a restauração de nascentes e sistemas agroflorestais, incluindo capacitações que já realizamos ao longo dos anos. A ideia da cooperação técnica é retomar ações de pesquisa e transferência de tecnologia para os sistemas de produção e também adequação ambiental. O monitoramento das áreas já instaladas e as novas unidades, por exemplo, poderá dar subsídio para indicadores de avaliação de impacto econômico, social e ambiental na região. De forma completa, a indicação geográfica também faz parte deste processo, com a elaboração dos protocolos de produção em parceria entre a pesquisa e a extensão rural”, explica Emiliano Santarosa.
Passos seguintes
As primeiras ações já estão em andamento, incluindo a implantação de Unidades de Referência Tecnológica (URTs) e visitas para diagnóstico de planejamento. A expectativa é que, até 2029, os resultados possam ser aplicados em larga escala, beneficiando não apenas Machadinho, mas toda a região.
"Com pesquisa, tradição e inovação, estamos escrevendo um novo capítulo para a erva-mate do Sul do Brasil", concluiu Selia Felizari. O chefe-geral da Embrapa Florestas, Marcelo Francia Arco-Verde, explicou os avanços previstos. "Além de aprimorar a erva-mate Cambona 4, estamos explorando novos produtos, como energias derivadas da erva, com alto teor de cafeína. A indicação geográfica abre portas para mercados internacionais, como Japão e EUA, onde há demanda por alimentos saudáveis. Essa parceria equilibra produção e conservação ambiental, garantindo solos férteis e água limpa para as futuras gerações".
Os Ciclos da Erva-Mate em Machadinho: Uma Trajetória de Tradição e Inovação
A história da erva-mate na região de Machadinho, no Rio Grande do Sul, é marcada por quatro ciclos distintos, cada um representando uma fase de transformação econômica, social e ambiental. Essa trajetória reflete não apenas a evolução da cultura ervateira, mas também a resiliência e a capacidade de adaptação dos produtores locais.
O primeiro ciclo (1912-1950) começou com a chegada dos colonizadores à região, atraídos pela abundância de florestas de araucária, no sub-bosque das quais a erva-mate crescia vigorosamente. Nessa época, a erva era conhecida como “ouro verde” e sua exploração movimentou a economia local, com o processamento artesanal e a comercialização para outras regiões do estado. Esse período foi fundamental para consolidar a identidade ervateira de Machadinho, ainda que de forma rudimentar.
O segundo ciclo (1951-1993) foi marcado por desafios. A alta tributação e a fiscalização rigorosa desestimularam a industrialização local, levando ao fechamento das pequenas unidades de processamento. A região passou a fornecer apenas matéria-prima in natura para polos ervateiros em outras cidades, perdendo parte de seu valor agregado. Foi um período de estagnação, mas que também preparou o terreno para a revitalização que viria a seguir.
O terceiro ciclo (1994-2023) representou um renascimento. Com a fundação da Apromate em 1994 e a chegada da Embrapa Florestas em 1995, a região passou por uma revolução tecnológica e organizacional. A parceria entre produtores, pesquisadores e poder público permitiu o desenvolvimento de cultivares como a Cambona 4, a implementação de sistemas agroflorestais e projetos ambientais, como o Projeto Nascentes. A erva-mate voltou a ser processada localmente, e a Apromate ganhou reconhecimento nacional, conquistando premiações e consolidando-se como referência no setor.
Agora, Machadinho inicia o quarto ciclo (2024 em diante), impulsionado pela conquista da Indicação Geográfica Erva-mate Região de Machadinho. Esse marco abre portas para novos mercados, valorizando a origem e a qualidade do produto. Com a inovação da parceria com a Embrapa, o foco está em inovações como o aprimoramento de SAFs, a diversificação de produtos derivados da erva-mate e a adequação ambiental, garantindo sustentabilidade para as futuras gerações.
"Esses ciclos mostram que a erva-mate não é apenas uma cultura, mas um símbolo da identidade de Machadinho. Cada fase trouxe aprendizados e oportunidades, e o quarto ciclo promete ser o mais promissor, unindo tradição, tecnologia e reconhecimento internacional", afirma o extensionista da Emater.
Indicação Geográfica: um marco para o setor
Ilvando Melo enfatizou a importância da renovação do convênio para o quarto ciclo ervateiro, impulsionado pela Indicação Geográfica Erva-mate Região de Machadinho, obtida recentemente. Graças às décadas de trabalho conjunto entre produtores, pesquisadores e instituições, o Rio Grande do Sul registrou sua indicação geográfica de erva-mate, um primeiro marco para o setor ervateiro. “A Embrapa chegou no início da década de 90, quando começou o terceiro ciclo, e agora, com a indicação geográfica, abre-se um novo patamar”. Para ele, a continuidade da parceria é essencial para enfrentar os novos desafios e oportunidades, garantindo “a segurança de ter a Embrapa ao nosso lado” nessa fase que exige “profissionalismo e conhecimento técnico-científico”, diz.
Segundo Selia Felizari, coordenadora do Polo Ervateiro do Nordeste Gaúcho e presidente da Apromate, essa fase é essencial para Machadinho e para toda a região da indicação geográfica. "A inovação desse convênio coroa nosso trabalho e garante a continuidade das pesquisas que vêm sendo realizadas há décadas. Queremos que os jovens vejam o futuro na erva-mate, com tecnologias que tornem a atividade mais rentável e menos dependente do trabalho manual. Essa parceria é essencial para que a cadeia produtiva avance e gere mais qualidade de vida para nossos produtores", declarou.
"A erva-mate faz parte da nossa história e identidade. Conseguimos o reconhecimento geográfico porque Machadinho sempre foi pioneiro nessa cultura. Agora, com esse convênio e os R$ 500 mil investidos pela prefeitura, vamos fortalecer ainda mais a pesquisa e a produção sustentável. É um novo ciclo para nossa região, que vai gerar emprego, renda e turismo", afirma o prefeito Sidney Lopes de Lima.